Política

Artigo - Estado de Direito e Opinião Pública: voto sem demagogia

Deputado foi um dos que votou pela soltura dos deputados presos na operação Furnas da Onça. Foto: Arquivo
Deputado foi um dos que votou pela soltura dos deputados presos na operação Furnas da Onça. Foto: Arquivo

1. Mais uma vez, nosso mandato está diante de um grande desafio na ALERJ. A Ministra Cármen Lúcia decidiu que a Assembleia Legislativa do RJ tem que ser ouvida sobre a situação de cinco deputados estaduais, que se encontram em prisão preventiva há quase um ano.  

2. Não é a primeira vez que enfrentamos o tema, mas agora as circunstâncias são diferentes. Em 2017, imediatamente após a prisão de Jorge Picciani, Paulo Mello e Edson Albertassi, a ALERJ teve que deliberar sobre a manutenção ou o relaxamento da prisão. À época, eram os três deputados mais poderosos da Assembleia e a medida cautelar privativa de liberdade se fundamentava no fato de que, se não fossem presos, poderiam atrapalhar as investigações que se voltavam para a própria ALERJ. Naquela ocasião, votamos pela manutenção da prisão dos três deputados, pois concordamos que os riscos às investigações eram grandes, caso permanecessem em liberdade. Eles acabaram condenados (em segunda instância) e hoje se encontram em cumprimento de pena, embora sem trânsito em julgado da sentença condenatória, matéria controvertida e objeto de pauta a ser enfrentada em breve pelo STF. 

3. No caso atual, nossas reflexões se baseiam nos seguintes fatos. Temos criticado, com firmeza, o desmonte do Estado de Direito no Brasil e, agora, estamos diante de um caso concreto para enfrentar na ALERJ, não apenas no discurso, mas no voto. A prisão dos deputados é claramente inconstitucional! Não se faz aqui mera interpretação. Trata-se do que determinam, textualmente, a Constituição Federal (art. 53, § 2º e art. 27, § 1º), a Constituição Estadual (art. 102, § 2º) e a decisão do STF (adotada em 08 de maio de 2019). Os dispositivos constitucionais citados foram confirmados pela aludida decisão do STF, de forma que não pairam mais dúvidas sobre o fato de que as garantias constitucionais que protegem o exercício dos mandatos de membros do Congresso Nacional aplicam-se, na íntegra, aos deputados estaduais.

4. Entre aquelas garantias, está o instituto da imunidade, pelo qual o deputado só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, e apenas neste, a prisão de deputados é cabível, mesmo assim, após o pronunciamento da respectiva Casa Parlamentar.

5. Ora, nos casos aqui examinados, não houve flagrante nem os crimes são inafiançáveis. Tanto é assim que o TRF2 justificou o fato de mandar prender os deputados, sem consultar a ALERJ, tendo em vista que se tratava, não de flagrante, mas de medida cautelar. Contudo, como já vimos, não sendo em flagrante, deputados não podem ser presos preventivamente. Assim, o correto teria sido o STF determinar, logo após a decisão tomada em maio de 2019, que o TRF2 efetivasse o relaxamento das prisões, porquanto inconstitucionais. Não o fez e agora mandou a ALERJ resolver a questão, quase um ano depois da prisão dos deputados.

6. O argumento de que a prisão preventiva serve para que os acusados não atrapalhem as investigações já não se sustenta na situação em tela. Os deputados estão presos há quase um ano! O Ministério Público (MP) já produziu os elementos que considera como provas, a denúncia já foi oferecida e até recebida pela Justiça. Agora, é a vez do processo penal e os juízes vão decidir se os acusados são culpados ou inocentes.

7. O que justifica, então, a manutenção da prisão preventiva, há quase um ano, se o MP já elaborou e ofereceu sua peça de denúncia, que já foi até recebida pelo Juízo? Eis a questão que não quer calar: o Sistema de Justiça pode fazer o que bem entender, ao arrepio das Constituições Federal e Estadual, da própria decisão do STF e do devido processo legal?

8. Se criticamos a banalização das prisões preventivas no Brasil e o encarceramento em massa, em termos gerais, devemos aceitar que, no caso específico de deputados, isso não tem problema? Agindo assim, não estaríamos endossando a criminalização da política no Brasil? Essa atitude serve ao fortalecimento da democracia?

9. Sou contrário que aqueles deputados possam assumir o mandato, ter salário, ter gabinete. Penso até que deveriam ser proibidos de frequentar as dependências da ALERJ, enquanto o processo penal não estiver concluído. Mas ficar preso ilegalmente, como medida cautelar, quando as investigações já cessaram, o MP já coletou provas e a Justiça já recebeu a denúncia? O que cabe agora é o julgamento do mérito. E aí é com a Justiça, não com o Poder Legislativo. Afinal de contas, não é da alçada da ALERJ declarar a culpa ou a inocência dos deputados que já respondem a processo judicial na esfera penal. O que cabe ao Parlamento é apenas decidir se suas prisões preventivas são ou não são constitucionais.

10. Ao fim e ao cabo, nós, deputadas e deputados, devemos votar com a Constituição que juramos ou com a opinião pública? Mas, de que é feita a opinião pública? De consciências sempre esclarecidas? De estereótipos e superficialidades muitas vezes propagadas pelos grandes veículos da mídia? De argumentos que sustentam a lógica do "justiçamento", que aparentemente dá celeridade à justiça, mas, no fundo, é profundamente delituosa?

11. Será que não chegou a hora (ou até passou da hora) de ter firmeza, sobretudo nós, parlamentares do campo progressista, que consideram a democracia como um valor universal, tal qual ensinou Carlos Nelson Coutinho, e dar um voto que materialize a nossa luta pela restauração do Estado de Direito no Brasil?

12. No golpe de Estado de 2016, na prisão de Lula, na luta por justiça para Marielle e Anderson, na defesa de Glenn Greenwald, os partidos de esquerda, apesar de diferenças eventuais ou pontuais, têm estado do mesmo lado. E essas pautas são, todas elas, vinculadas à luta contra o desmonte do Estado de Direito em nosso país. 13. Sou deputado, representante popular, meu voto não me pertence apenas, embora minha própria consciência seja determinante para definir a forma como me posiciono. Logo, julguei adequado compartilhar estas reflexões. Não se trata de enquete, dessas simplórias e mal fundamentadas, do tipo sim ou não. Mas é uma provocação à consciência e à reflexão coletivas.

Por deputado estadual Waldeck Carneiro

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